O avanço do crime organizado no Brasil tem se manifestado de forma preocupante e expandido sua atuação em regiões que há alguns anos não estavam sob o poderio desses grupos. Relatórios recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e de outras entidades de pesquisa destacam a ocupação territorial por organizações criminosas e os desafios enfrentados em diversos estados do Nordeste.
Nesses territórios, o crime organizado tem assumido o controle de comunidades inteiras e interferido diretamente na economia, no funcionamento do setor público e no sistema político. A presença de facções criminosas afeta a segurança pública, impõe restrições à circulação de bens e serviços, desafia a autoridade estatal, já que seus membros impõem suas próprias regras e exploram atividades ilícitas.
De acordo com o estudo Segurança Pública e Crime Organizado no Brasil, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2024, o combate a essas organizações exige uma abordagem multifacetada, indo além das ações policiais tradicionais.
“A expansão do crime organizado no Brasil representa uma ameaça significativa à Segurança Pública e à soberania nacional. A ocupação de territórios por essas organizações compromete o desenvolvimento social e econômico, especialmente em regiões vulneráveis e que não tenham uma presença forte do Estado”, afirma Jeoás Nascimento dos Santos, advogado, diretor de Relações Institucionais da Comissão Nacional de Direito Militar da Associação Brasileira de Advogados (ABA) e da Federação Nacional de Entidades Representativas de Praças (ANASPRA).
Panorama nacional e regional
Um relatório da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais) do Ministério da Justiça e Segurança Pública contabilizou que o Brasil conta, atualmente, com 88 organizações criminosas identificadas e catalogadas. Entre elas, 91% possuem poder financeiro independente e 98% estão presentes em unidades prisionais. As facções criminosas mais relevantes no cenário nacional incluem: Primeiro Comando da Capital (PCC) que atua em 24 estados e no Distrito Federal, o Comando Vermelho (CV), com uma presença um pouco menor que a do PCC, a Família do Norte (FDN) que tem grande influência na região Norte, especialmente no Amazonas; o Terceiro Comando Puro (TCP) com presença no Rio de Janeiro e em alguns outros estados brasileiros; e, inúmeras milícias compostas por militares ou ex-militares.
O Nordeste é a região com maior concentração orcrims (organizações criminosas), 46 delas estão na região e destas 21 atuam na Bahia, considerado o estado mais violento do Brasil com indicadores alarmantes de violência, sendo o segundo com uma taxa de 46,5 homicídios por 100 mil habitantes. Além disso, seis das dez cidades mais violentas do país estão na Bahia.
De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública do Ministério da Justiça, a piora dos indicadores no Nordeste provocou uma mudança na geopolítica da criminalidade com um “top 3” dos estados mais violentos do Brasil formado por estados nordestinos: Bahia, Pernambuco e Ceará. O número de homicídios nesses estados foi maior do que o de locais mais populosos, como São Paulo, Rio e Minas Gerais.
“O número de homicídios está diretamente relacionado à atuação das orcrims. A Bahia sofre com o aumento da presença de facções criminosas que disputam territórios e impõem seu controle sobre comunidades inteiras. Entre as principais organizações atuantes na Bahia estão: Bonde do Maluco (BDM), considerada a principal facção local, fortemente envolvida no tráfico de drogas e extorsão; o Comando Vermelho que nos últimos anos tem expandido sua atuação no estado, o Primeiro Comando da Capital que atua em algumas regiões estratégicas da Bahia; e a Katiara, grupo criminoso regional com grande influência”, explica Jeoás Santos.
Nos dois outros estados, Pernambuco e Ceará, a atuação de facções locais têm forte influência tanto do PCC como do Comando Vermelho e vem aumentando território e são conhecidas pela violência usada para aniquilar seus inimigos e disputa no controle do tráfico de drogas e de armas de fogo. Em Pernambuco temos Comando Litoral do Sul e no Ceará a Guardiões do Estado (GDE) e Massa Carcerária (também conhecida como Neutros, Tudo Neutro e TDN).
Essas facções de atuação local vem impondo suas regras nas comunidades que atuam com a imposição de uma lei de silêncio entre moradores, participação de membros na polícia, resgate de presos, ataques a empresas de internet com o objetivo de forçar as operadoras a repassarem à facção parte da mensalidade paga pelos clientes, entre outros crimes.
O Rio Grande do Norte enfrentou, em 2023, uma série de atentados atribuídos a facção criminosa Sindicato do Crime ou Sindicato do RN (SDC), que resultaram em ataques a prédios públicos, veículos e estabelecimentos comerciais, eventos que evidenciaram a capacidade de mobilização e o crescimento dessa organização regionalmente. O SDC, que é a maior facção do Rio Grande do Norte, é aliado ao Comando Vermelho e a Família do Norte, e disputa território com o PCC, que tem expandido sua influência no estado.
Apesar disso, dados recentes apontam para melhorias na segurança pública do estado. O Ranking de Competitividade dos Estados, elaborado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), posicionou o Rio Grande do Norte como o nono estado com melhor segurança pública do país, o terceiro melhor no Nordeste. De acordo com dados do governo estadual, o estado potiguar registrou 203 crimes violentos letais intencionais (CVLIs) ao longo dos primeiros três meses de 2025, repetindo o primeiro trimestre do ano passado, o que torna esta a série histórica menos violenta da segurança pública potiguar. Desde 2011, quando a contabilização das mortes violentas passou a atender a uma metodologia padronizada nacionalmente, o primeiro trimestre mais violento da história do Rio Grande do Norte foi o de 2017, com 578 assassinatos. De lá para cá, a redução foi de 64,88%, ou seja, 375 mortes a menos.
“A redução dos índices no RN é um esforço da política de segurança e das instituições. Mas somente é suficiente para manter esses números, se não houver uma articulação nacional e mudança na legislação reconhecendo que estamos vivendo uma guerra interna com vítimas inocentes, seja em relação ao número alarmante de homicídios, seja em relação a oportunidades para os jovens e crescimento do país”, explica o advogado.
Os dados apresentados acima demonstram a complexidade da atuação das facções criminosas no país e a necessidade de estratégias integradas para seu enfrentamento. De acordo com Jeoás Santos e de informações dos vários estudos sobre o tema para combater essa crise, é fundamental que as autoridades adotem políticas públicas integradas com investimentos em inteligência policial e tecnologia, fortalecimento das instituições de segurança e do sistema penitenciário, ações de combate à corrupção dentro das forças de segurança e das instituições de governo, políticas públicas de inclusão social e desenvolvimento econômico. Além de uma planejada e antecipada política de urbanismo social com a retomada de territórios ocupados e dominados, restabelecendo a lei, ordem e presença do Estado. “Somente com uma abordagem abrangente e coordenada, investimentos e inteligência, será possível reverter o avanço do crime organizado e garantir a segurança da população brasileira”, conclui Jeoás Santos, que também é pós-graduado em Direito Civil e em Direito Militar.